Um mercado crescente, que pode gerar US$ 120 bilhões em receitas para o Brasil até 2030, os créditos de carbono passam por um momento de questionamento global. Isso depois que uma líder global em certificação de projetos voltados para este fim teve sua atuação questionada na imprensa internacional, o que resultou inclusive na renúncia de seu CEO.
David Antonioli, um dos nomes de referência no mercado internacional de créditos de carbono, deixou a entidade na semana passada, depois de ter seu nome envolvido em rumores de manipulação na certificação de grandes projetos de compensação de emissões.
Segundo investigação feita pelo jornal britânico The Guardian, a revista alemâ Die Zeit e o grupo SourceMaterial, projetos de grandes empresas como Disney, Shell e Gucci, entre outras que foram certificadas pela Verra, não trazem nenhum tipo de proteção adicional às florestas que alegam preservar.
Um dos principais desafios para a expansão global do mercado de créditos de carbono é a dificuldade em se estabelecer um padrão único para a validação desse tipo de projeto.
Criado por Antonioli, o modelo estabelecido pela Verra está hoje entre os mais aceitos pelo mercado voluntário. Ao longo de 15 anos, ele liderou processos de certificação que somam mais de US$ 1 bilhão em créditos.
Por isso, o fato de a instituição estar sendo questionada chamou a atenção dos agentes desse mercado e trouxe ainda mais incertezas ao setor.
No Brasil, os impactos ainda são pequenos, já que o volume de projetos certificados ainda não é significativo. O potencial, no entanto, é enorme e as discussões em torno de padrões para certificar projetos na âmbito agropecuário são intensas.
Um estudo feito pela Câmara de Comércio Internacional, a ICC Brasil, juntamente com a consultoria WayCarbon, revela que o Brasil pode atender até metade da demanda global por créditos de carbono do mercado voluntário até 2030, cenário que resultaria em receitas de US$ 120 bilhões.
O levantamento considera este número considerando um “preço otimista” de US$ 100 por tonelada de CO2, estimado pela TSVCM, uma iniciativa do Instituto de Finanças Internacionais para auxiliar na evolução do mercado global de crédito de carbono.
Atualmente, segundo o estudo do ICC Brasil e do WayCarbon, a oferta brasileira correspondia a 12% das emissões mundiais ao final de 2022.
O advogado Thiago Pastor, sócio do escritório Rolim, Goulart Cardoso Advogados, afirma que este mercado representa, além de um potencial, uma necessidade para o agronegócio brasileiro.
“Boa parte das receitas do agro vem de exportação. E o funil ambiental está se apertando cada vez mais. A União Europeia estuda taxar produtos sem certificação. É ao mesmo tempo uma oportunidade, ao gerar crédito de carbono, mas também uma necessidade para o produtor brasileiro”, diz Pastor.
Pastor afirma que problemas como os verificados na Verra não são novidade no mercado de crédito de carbono, que surgiu ainda na década de 1990, após o acordo ambiental global que resultou no Protocolo de Kyoto.
“Sempre foi um mercado sem regulação, então acontece bastante de aparecer projetos puramente especulativos’, diz o advogado. Mas quando afetam a credibilidade de nomes como o da Verra e o de Antonioli, reforçam a necessidade de que a regulação do mercado aconteça.
Nesse sentido, Pastor aponta a necessidade de melhorar o ambiente regulatório para crédito de carbono no Brasil. “No ano passado, houve um decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro para implementar oficialmente este mercado no Brasil. Mas ele é insuficiente”, diz.
Há um projeto de lei em tramitação no Congresso para tratar dessa regulamentação. “Não é algo simples de regulamentar, precisa passar por um debate amplo”, explica. Como exemplo, Pastor diz que é preciso determinar como e quais autoridades vão ficar responsáveis pela verificação dos projetos, o que, como se vê no caso da Verra, é crucial para a saúde do mercado.
Ele lembra que o Brasil precisa olhar para as suas próprias metas do Acordo de Paris, de 2015, que estabeleceu metas de redução de emissão de carbono até 2030. “Por exemplo, houve um forte desmatamento da Mata Atlântica nos últimos 10 anos”, ressalta.
Sobre a necessidade de fiscalização dos projetos, o advogado cita um exemplo. “Chega um projeto de preservação da Amazônia Legal. São terras públicas, muitas delas com demarcação indígena. Para ter a certificação, o projeto precisa trazer um cenário novo, que adicione uma proteção para a área. Se não tiver este aspecto, é inútil”.
Por isso, ele afirma que o caminho é uma maior exigência na aprovação. “Atualmente o mercado é quase todo voluntário, não regulado. Tem empresas muito sérias, com ótimos projetos. Mas também tem aqueles sem a menor seriedade”, finaliza.