A produtividade, nas cinco fazendas da Fundação Bradesco, não se mede em sacas de soja, toneladas de milho ou arrobas de boi por hectare. Nas propriedades, a instituição criada por Amador Aguiar e financiada pelos dividendos oriundos das ações do banco paulista planta educação. E tem como objetivo colher técnicos para suprir a demanda crescente do agronegócio brasileiro.

As escolas-fazenda são apenas uma pequena parcela dentro do grande projeto pedagógico que faz da Fundação um dos maiores grupos educacionais do País. Ao total, a entidade conta com 40 escolas – pelo menos uma em cada estado brasileiro e também no Distrito Federal --, onde estudam mais de 42 mil alunos.

“É o maior projeto privado de investimento social do País”, afirma Eduardo Ramos, líder de Fazendas da Fundação Bradesco. Ao longo dos últimos 10 anos, a Fundação recebeu mais de R$ 9,5 bilhões em investimentos. Neste ano, serão R$ 1,4 bilhão, um recorde.

Os recursos são necessários para manter uma instituição com gestão “muito grande, muito complexa, que exige coordenar e gerenciar 40 escolas espalhadas, cada um em um estado, o que requer uma logística muito grande”, segundo a visão de Ramos.

O orçamento particularmente mais alto em 2024 tem uma razão especial, explica. “Estamos passando por uma transformação. Todas as escolas serão revitalizadas para trazer modernidade, para dar um ar mais moderno, acompanhar a tecnologia”, diz.

Isso vale, é claro, para as cinco escolas fazenda. Nelas, entretanto, há uma mudança adicional, que envolve o modelo educacional, com o foco de aumentar a capacidade de atendimento a uma demanda que não para de crescer.

Até o ano passado, os alunos das escolas-fazenda primeiro terminavam o ensino médio, período em que já conviviam com o ambiente rural, e só então tinham a opção de fazer o curso de técnico agropecuário oferecido pela Fundação.

Agora, os conteúdos técnicos passam a ser integrados ao ensino médio, o que já resultou na possibilidade de mais jovens terem acesso a eles.

“Nem todos os alunos que queriam conseguiam ingressar no técnico, porque nós não tínhamos vagas para todos”, afirma Ramos. Assim, por exemplo, em 2023 apenas 56 jovens tiveram condições de obter essa qualificação. Este ano, são 160.

O ensino técnico, de fato, se confunde com a história das escolas-fazenda da Fundação Bradesco – que, de certa forma, se confunde com a evolução da pecuária do Brasil. Nos anos 1970, quando a inseminação artificial de bovinos começava a ganhar força no País, a instituição foi a primeira a oferecer um curso específico de técnicos para essa atividade.

Isso aconteceu na unidade de Rosário do Sul (RS), em parceria com a PecPlan, empresa que na época era controlada pelo Bradesco e posteriormente foi vendida à multinacional ABS, tornando-se uma das maiores referências desse segmento.

O conceito era permitir aos alunos da fundação a vivência prática semelhante à realidade do mercado, modelo que deu tão certo que até hoje continua sendo um mantra nas cinco fazendas. Além de Rosário do Sul, foi implantado em Feira de Santana (BA), Garanhuns (PE), Bodoquena (Mato Grosso do Sul) e Canuanã (Tocantins).

Hoje o currículo dos cursos é diversificado e regionalizado – ou seja, dando maior atenção às necessidades do mercado próximo a cada unidade. De forma geral, os alunos recebem noções teóricas e práticas em áreas que vão do uso e manejo sustentável do solo e da água á nutrição vegetal e corretivos de solos, passando por economia aplicada à agropecuária; plano de negócios e gestão de projetos agropecuários ou máquinas e mecanização agrícola.

“Estamos sempre preocupados em introduzir questões fundamentais para a o mercado de trabalho”, afirma Ramos. Como exemplo, cita a criação da disciplina de rastreabilidade, tema que se tornou crucial tanto para a agricultura como para a pecuária. Segundo ele, graças aos conteúdos disponibilizados, os técnicos formados pela fundação estarão prontos para concorrer a vagas nessa área.

Outros temas recém-introduzidos foi o de melhoramento genético com embriões em bovinos. E até o final do ano deve ser introduzido um programa semelhante para ovinos.

Vista aérea da sede da escola-fazenda Bodoquena, no MS

Segundo dados da Fundação Bradesco, cerca de 6 mil técnicos agrícolas já foram formados nas suas fazendas. Dois terços deles nas duas maiores e mais estruturadas, Bodoquena, no Pantanal do MS, e Canuanã. próxima à Ilha do Bananal.

A fazenda Canuanã tem uma área total de 2,5 mil hectares e 72 mil m² de área construída. Já na Bodoquena 750,6 hectares no total e 37mil m² de área construída.

Distantes dos centros urbanos mais próximos, elas funcionam em regime de internato e, como todas as escolas da fundação, são gratuitas. Nelas vivem cerca de 1,1 mil e 1 mil pessoas, respectivamente.

Desse total, mais de 1,5 mil são crianças e jovens estudantes, que passam em torno de 13 anos na fundação, do ensino fundamental ao médio. Durante o período escolar, os alunos moram nas escolas, regressando aos seus lares aos finais de semana ou no fim do semestre.

Segundo Ramos, cerca de 90% dos alunos que iniciam a formação nas fazendas chega ao final. “Os índices de desistência são muito pequenos”, afirma Ramos. “É muito difícil haver vagas abertas em fases intermediárias”.

Assim, desde muito cedo, as crianças passam a ter uma vivência grande com a rotina de uma fazenda. “Obviamente, ainda não com o intuito profissional ou pedagógico no princípio, mas eles já têm um contato”, diz.

O primeiro contato se dá pelo uso cotidiano de parte do que é produzido na própria alimentação dos alunos. Eles acompanham desde muito cedo a produção de verduras (em alguns casos, no sistema de hidroponia), leite e ovos.

Mas a partir do momento em que as disciplinas técnicas passam a integrar o currículo, os estudantes passam a ter acesso não apenas a conteúdo, mas às tecnologias e práticas agrícolas utilizadas em algumas das mais modernas fazendas do País, que também são aplicadas nas propriedades da Fundação Bradesco, mesmo que em escala menor.

“Na verdade, financeiramente ou produtivamente, a gente pode pensar que faz pouca diferença sermos mais ou menos eficientes, por exemplo, na produção de leite, se eu vou precisar de mais ou menos vacas para atender os refeitórios. Mas contexto pedagógico, aí faz muita diferença”, diz Ramos.

“Buscamos a eficiência para mostrar para o aluno uma produção real, comercial. Então, quanto maior a minha eficiência, melhor o meu ensino”.
Em Bodoquena e Canuanã, a instituição mantém, por exemplo, um rebanho de cerca de 2 mil cabeças gado nelore, para corte. Até recentemente, a produção era de ciclo completo, com cria, recria e engorda, até entrega para o abate – com a carne retornando do frigorífico para ser consumida nas fazendas.

Mas, por entender que aquele modelo não era sustentável, os gestores decidiram se concentrar em uma única etapa do processo e optaram pela cria.

“Entendemos que a cria é a fase que tem o maior nível de detalhamento, com o protocolo de inseminação, a gestação, o parto... Pedagogicamente, era a atividade que trazia mais ganho para o nosso aluno”, diz.

Depois disso, foram introduzidas os conteúdos ligados à rastreabilidade e à transferência de embriões, que se encaixavam bem com esse momento da pecuária e com as necessidades do mercado de trabalho no setor.

“Eu confesso que eu não sabia, mas o técnico, assim como o veterinário e o zootecnista, pode atuar na rastreabilidade, com certificações de produção sustentável. Então, é uma atividade que o nosso aluno vai poder desempenhar”, diz Ramos.

“Além disso, o comprador do meu bezerro pode dar sequência nessa rastreabilidade e ter algum benefício”.

Na agricultura, a fundação mantém uma estrutura para cultivo de milho irrigado, com um pivô central na fazenda de Canuanã. A produção é destinada à silagem para o gado de leite, mas as lições preparam o futuro técnico agrícola para trabalhar também na área de irrigação.

Na mesma fazenda, segundo Ramos, a instituição está ampliando a produção de soja.

“Para a fundação, plantar ou não plantar soja, pouca diferença faz. O volume é muito pequeno. Mas eu preciso preparar esse aluno para o mercado regional”.

Outra cultura que deve ser implantada em breve na propriedade é a de girassol, na segunda safra. A instituição identificou um aumento de demanda pelas sementes da planta para composição da nutrição dos rebanhos.

Também está em análise implementar um programa de piscicultura, atividade que também vem ganhando espaço no Tocantins, inclusive com a abertura de um frigorífico.

Já na Bodoquena (MS), seguindo a mesma lógica, a ideia é ampliar a produção de ovinos. “Na região, a atividade é algo expressivo. Nosso objetivo é aumentar o número de ovinos e trazer mais qualidade, além de tecnologia. Vamos trabalhar com transferência de embrião, trazer a tecnologia para dentro da escola”.

Outra missão de Ramos é ampliar o portfólio de parceiros estratégicos das escolas-fazenda. Segundo o executivo, atualmente a fundação tem já relações estabelecidas com entidades de classe que atuam no setor, visando aumentar a visibilidade dos alunos no mercado de trabalho entre as empresas associadas a estas instituições.

“Eu costumo dizer que o meu cliente não é o aluno, mas o produtor ou a empresa que vai contratá-lo o meu aluno. Eu não quero só formar o aluno, eu dar empregabilidade para ele”, afirma.

Os resultados têm sido ótimos, segundo Ramos, com taxas superiores a 80% de empregabilidade dos alunos formados como técnicos agropecuários.

“Só que eu tenho uma meta um pouco maior. Eu quero que o aluno escolha onde ele vai trabalhar, que diversas empresas ofereçam vaga para o meu aluno e ele opte para onde quer ir. Não tem como fazer isso se as empresas não nos conhecem”.